quarta-feira, 20 de julho de 2016

Amós: A ética social e a sua atualidade

“A Injustiça social não tem época. Parece omnipresente e atemporal. Ao ler o livro de Amós, temos a sensação dele ter sido escrito na nossa geração. Este documento que faz parte das Escrituras dos judeus e dos cristãos, é um grito de protesto contra a injustiça, opressão e indiferença. Amós foi um homem corajoso. Denunciou os abusos sociais dos homens poderosos da sua época. Não se intimidou com os perigos de se levantar contra reis e sacerdotes. Protestou contra a diferença polar na distribuição de riqueza. Censurou a hipocrisia e a prática religiosa destituída de amor, misericórdia e justiça. Assim, seus vaticínios são usados por profetas, poetas e socialistas de todos os tempos, mesmo pelos que nunca conheceram os seus escritos, mas que repetem as suas ideias essenciais.”[i]

Amós foi um profeta que viveu na época dos reis Uzias e Jeroboão II, do sul e do norte de Israel, respetivamente. Pelo que pude ler, era oriundo de uma pequena cidade chamada de Tecoa, que ficava a dez quilômetros ao sul de Belém da Judéia.

Foi contemporâneo dos profetas Oséias e Isaías, segundo nos informam os livros dos próprios profetas nos seus primeiros versículos[ii] e exerceu o seu ministério profético entre os anos 786 e 746 a.C.[iii] Pelo que nos referem alguns autores[iv], era um homem do campo, simples e sem grandes estudos, pastor e criador de sicômoros[v].

Para nos situarmos na época, e como expõe LAZZARI, será conveniente referir que o reino unificado de Israel teve fim quando o rei Salomão faleceu e as tribos do norte foram até Roboão, o novo rei, pedir alívio na carga tributária. Roboão, seguindo o conselho impetuoso dos jovens que cresceram com ele, com palavras duras deu a entender que não só manteria os altos impostos, como os aumentaria, provocando grande revolta entre a população, liderada por Jeroboão, que veio a tornar-se o rei das tribos nortistas. A partir daí houve separação entre as tribos do norte e do sul, na política e na religião e, algum tempo depois, Samaria tornou-se na capital do reino do norte, enquanto Jerusalém a capital do reino do sul.[vi]

Ora, foi fundamentalmente a estes dois reinos que Amós dirigiu a sua mensagem, numa época de prosperidade, mas de profundas inversões de valores e de princípios éticos.[vii]

É a própria Bíblia que nos fornece o cenário em que se vivia na altura, muita prosperidade econômica, o território de Israel tinha-se alargado e a agricultura desenvolveu-se, sendo do entendimento geral que tanto Jeroboão II, como, Uzias, no sentido político-económico, tiveram um bom desempenho.

Pois, mas a prosperidade e a fama, que a todos interessa obviamente, são muitas vezes seguidas de indiferença para com os mais desfavorecidos, é muitas vezes o desejo de acumular mais e mais, custe o que custar. É precisamente neste cenário de indiferença, exploração, desigualdade, injustiça e falta de amor que o profeta Amós levanta a sua voz.

A riqueza da mensagem do profeta é vasta, o que torna impossível abarca-la nestas poucas páginas, desde a denúncia das mais diversas crueldades praticadas, onde os fins justificavam os meios, até à violação dos direitos dos pobres, são vários os temas abordados, mas será sobre este último que tomarei a liberdade de continuar a falar.

“E se deitam junto a qualquer altar sobre roupas empenhadas, e na casa dos seus deuses bebem o vinho dos que tinham multado”. (Am 2:8 – ARC).

Amós é claro, condena o fausto e a rapacidade[viii] dos homens de alta posição[ix], eles se deitam, refere, sobre roupas empenhadas perto de todo o altar. Pelo que sei, na época era proibido por lei tirar de alguém pobre o seu manto, a sua capa, a coberta da sua cama ou seja lá o que for de que ele necessitasse para se agasalhar. Porém, o profeta acusa os israelitas de retirar penhores e vestuário sem qualquer distinção, deitando-se neles próximo aos seus altares.

Mas, acrescenta ainda mais, e aqui, como refere CALVINO, falando estritamente aos juízes e governantes[x], eles bebem o vinho dos condenados na casa, ou no templo do Deus deles, vinho esse que era resultante de multas que haviam sido impostas sobre os condenados.

Portanto, para além da ganância e a avareza, o profeta também condena a superstição grosseira dos israelitas, porque imaginavam que não haveria punição alguma, mesmo saqueando e roubando os pobres e os necessitados, desde que reservassem uma parte do despojo para o seu Deus, como se um sacrifício do que fora injustamente obtido não lhe fosse uma abominação.

Recorrendo a um pequeno texto de LAZZARI, os homens ricos da sociedade israelita antiga não saíam no prejuízo em circunstância alguma. Criavam meios de ganhar dinheiro de todas as formas e arrancar o máximo que podiam dos menos favorecidos. Quando a exploração chegava ao limite, a ponto do pobre não ter mais de onde tirar recursos, até mesmo suas roupas eram penhoradas como garantia. A Lei de Moisés exigia que a restituição de uma roupa penhorada fosse feita antes do pôr-do-sol (cf. Ex 22:26-27). Entretanto, esse preceito da Lei era ignorado pelos réprobos[xi], os quais, certamente, achavam “brechas na lei” para executar tudo o que desejavam.

Como por diversas vezes a história nos foi provando, também aqui, a prosperidade não chegava ao povo, ficando os pobres cada vez mais pobres, não beneficiando a nação toda desta prosperidade. Amós apresenta-nos um quadro onde os ricos viviam em casas de marfim, enquanto os pobres eram oprimidos. Não só as casas, mas até as camas eram feitas deste material caro e precioso[xii]. Segundo CHAPLIN, a arqueologia evidencia que nessa época seus leitos eram decorados com engastes de mármores, com representações de lírios, veados, leões, esfinges e figuras humanas aladas. Foi um período de vida ociosa, riqueza, arte e lassidão moral[xiii].

É a filosofia dos fins que justificam os meios.

Amós, no seu livro, prevê sem rodeios que isto terá um fim dramático, O próprio inimigo de Israel seria o executor da “justiça”, fazendo colher exatamente aquilo que foi plantado. As fortalezas seriam derrubadas e os palácios saqueados[xiv], os ricos opressores seriam os primeiros a serem levados para o cativeiro[xv] e segundo algumas referências bíblicas, esta sua predição acabou por se cumprir à época do cativeiro babilônico, onde o primeiro a ser preso foi o rei, juntamente com seus filhos[xvi], seguido pelos sacerdotes[xvii] e pela cúpula real[xviii]. Em simultâneo, anuncia a destruição do templo, do palácio real, dos muros da cidade e das casas dos homens poderosos em Jerusalém[xix].

O simples profeta, homem sem muita cultura, trabalhador do campo, anuncia o futuro dos homens poderosos e opressores, os quais ignoravam princípios éticos nas relações interpessoais, deixando de lado o órfão, a viúva, o pobre, e pensavam apenas em enriquecer, acumular bens, cultivar o prazer, não se importando se tudo aquilo era conquistado às custas do trabalho dos que possuíam muito pouco e não tinham qualquer direito de aproveitar as coisas boas da vida. A semente da opressão havia sido plantada e no devido tempo eles colheriam esses frutos.[xx]

Dizia-me uma pessoa muito conhecida da nossa “praça”, companheiro meu de outras guerras, que no total, em apenas três meses, faliram em Portugal 2.278 pessoas, perto de 60 por cento do total de insolvências decretadas pelos tribunais no segundo trimestre do ano, 25 pessoas por dia. Acrescentei eu, para 2013, estima-se um agravamento médio de €150,00 por mês em sede de IRS. E durante o corrente ano de 2012, em média, foram necessários cerca de 155 dias de trabalho para pagarmos os impostos que nos foram exigidos, por outro lado, a taxa de desemprego atingiu no segundo trimestre de 2012 os 15 por cento da população ativa - o equivalente a 827 mil trabalhadores.

MM\QQ\II\, Portugal tem atualmente 2,5 milhões de pobres, a pobreza (rendimento inferior à Remuneração Mínima Mensal) já atinge um quarto da população portuguesa. Atrevo-me a dizer que uma das maneiras mais eficazes de empobrecer uma nação é impondo uma alta carga tributária e não retribuir estes impostos em benefícios para as pessoas.

Como referia o profeta, nos tempos longínquos de 786 a.C., a semente da opressão está plantada e no devido tempo colheremos os seus frutos.



Referências Bibliográficas



[i] LAZZARI JUNIOR, Julio Cesar – A ética no livro de Amós - Espiritualidade Libertária, São Paulo, n. 3, 1. sem. 2011, pp. 91-111.

[ii] cf. Os 1:1; Is 1:1; Am 1:1.

[iii] A Bíblia de Jerusalém (BJ) afirma que Amós pregou no período de 783 a 743 a.C. (p. 1246).

[iv] cf. Champlin, 2001, p. 3505.

[v] Uma árvore da família da figueira.

[vi] LAZZARI JUNIOR, Julio Cezar. (2011), A mensagem universal e atemporal da parábola do bom samaritano. In: Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 19, n. 73, jan/mar. 2011, pp. 29-41.

[vii] Jeroboão II reinou em Samaria, norte de Israel, por 41 anos (cf. 2 Rs 14:23). Em sua época, o território de Israel foi expandido (cf. 2 Rs 14:25,28). Do lado do sul, Uzias fez um grande reinado, ficando no poder por 55 anos4 (cf. 2 Cr 26:3). Uzias conquistou alguns territórios filisteus e árabes (cf. 2 Cr 26:6,7) e sua fama chegou até ao Egito (cf. 2 Cr 26:8). Ele também construiu torres na capital do sul, Jerusalém, cavou poços, fortificou o seu exército (cf. 2 Cr 26:9-11) e até era um engenheiro da guerra, inventando armas para derrotar os seus inimigos (cf. 2 Cr 26:14,15).

[viii] Avidez.

[ix] CALVINO, João. (2012), Os comentários de João Calvino sobre o profeta Amós. In: www.editoramonergismo.com.br

[x] Refere CALVINO, Pode deduzir-se isso uma vez que estes tinham por costume entregar-se ao luxo por intermédio de espólios obtidos de maneira errada, na medida em que litigavam sem causa; e quando obtinham julgamento em seu favor, pensavam ser licito comer e beber com maior sumptuosidade.

[xi] Reprovados, odiados ou detestados.

[xii] (Am 6:4).

[xiii]  CHAMPLIN, Russel Norman. (2001), O Antigo Testamento interpretado versículo por versículo. 2. ed. São Paulo: Hagnos, pag. 3505.

[xiv] (Am 3:11) - Na época em que ele profetizou, Israel ainda não tinha sofrido sob os cativeiros assírio e babilônico, os quais quase extinguiram os descendentes de Jacó da face da Terra.

[xv] (cf. Am 6:4-7).

[xvi] (cf. 2 Rs 25:5-7).

[xvii] (cf. 2 Rs 25:5-7).

[xviii] (cf. 2 Rs 25:19).

[xix] (cf. 2 Rs 25:9,10).

[xx] LAZZARI JUNIOR, Julio Cesar – A ética no livro de Amós - Espiritualidade Libertária, São Paulo, n. 3, 1. sem. 2011, pp. 91-111.

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